terça-feira, 14 de julho de 2009

"Um novo modo de encher a barriga" - Ferreira Gullar



(...) O programa assistencialista, como toda intervenção no processo social, pode ter aspectos positivos ou negativos. Os positivos, sabemos quais são; os negativos, às vezes, nos surpreendem, ainda que, se nos detemos a refletir, veremos que são quase inevitáveis . Tomemos como exemplo o programa Bolsa Família, que nasceu para servir politicamente ao presidente Lula. Isso ficou evidente, desde o início, quando ele mandou fundir os programas Bolsa Alimentação e Bolsa Escola, para fazer de conta que um programa novo estava sendo criado pelo seu governo.

Pouco lhe importou o fato de que a fusão dos dois programas, com objetivos essencialmente diferentes, prejudicaria a execução de ambos e dificultaria sua fiscalização. O resultado previsível não se fez esperar: parentes de prefeitos, de vereadores e deputados passaram a receber os benefícios a que não tinham direito nem deles necessitavam. Mas a coisa não parou por aí: a engenhosidade popular pôs-se a serviço dos oportunistas. Hoje, à exceção talvez do governo, todo mundo sabe que ocorre com o Bolsa Família, que abrange nada menos de 40 milhões de pessoas.
Inventaram-se os mais diversos modos de burlar as normas que o regem, chegando-se ao ponto de, quando o beneficiado pelo programa consegue emprego, pede ao patrão que não lhe assine a carteira de trabalho, para que possa, assim, fazer de conta que continua desempregado. Vejam vocês a que leva esse tipo de ajuda demagógica, quando sabemos que ter a sua carteira de trabalho assinada pelo patrão sempre foi a aspiração de todo trabalhador. A carteira assinada é imprescindível para comprovar o tempo de serviço e garantir a aposentadoria.
Aqueles, porém, que abrem mão disso, estão certos de que o Bolsa Família os sustentará pelo resto da sua vida, sendo, portanto, desnecessário aposentar-se. É como se já estivessem aposentados, uma vez que ganham sem trabalhar.
Um conhecido meu, que cria algumas cabeças de gado, contou-me que o vaqueiro de sua fazenda separou-se aparentemente da mulher (com quem tinha três filhos) para que ela pudesse receber ajuda do Bolsa Família, como mãe solteira e sem emprego.
Ao mesmo tempo, embora já tivesse decidido não ter mais filhos, além dos que já tinham , mudaram de ideia e passaram a ter um filho por ano, de modo que a filharada, de três já passou para sete, sem contar o novo que já está na barriga.
Esse procedimento se generaliza. Um médico que atende num hospital público aqui do Rio, declarou na televisão que uma jovem senhora, depois de sucessivos partos, teve que amarrar as trompas. Com medo de morrer, aceitou a sugestão do médico, mas lamentou: "É pena, porque vou perder os R$ 150, 00 do Bolsa Família". Pois é, ter filhos se tornou, no Brasil de Lula, um modo fácil de aumentar a renda familiar.
Em breve, o número, de carentes duplicará e o dispêndio com o programa também.
O Brasil precisa urgentemente de um estadista.


Nota do Blog: "Artigo publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo, caderno: Ilustrada, do dia 05 de julho de 2009, autoria de Ferreira Gullar".

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